novembro 22, 2008

La frontiere de l'aube

ANTES (de me sentar no King):

Não sei olhar para ti sem me comover com a maneira como desvias o cabelo naqueles dias ventosos em que pareço distante e em que me esqueço dela. Quando estamos longe, é exactamente este o momento que repito em segredo, é com esta imagem que me convenço que afinal ainda te quero, que o Outono sem ela é uma estação cheia de folhas douradas que revolvemos com a ponta dos nossos sapatos. Fechas os olhos quase timidamente enquanto levas a mão à cabeça e é tudo tão delicado que me sinto incrédulo - esta mulher tão bonita caminha comigo, eu podia amá-la se ela me incendiasse a todas as horas, se alternasse a candura com a luxúria de uma noite em branco. Quero-te mas deixo que o vento te mantenha segura, longe de mim, longe do meu desejo de te destruir os sonhos.

DEPOIS (de me sentar no King):

Meu amor, não sei se te hei-de chamar assim. Amo-te mas não te quero, não é por ti que entro naquele estado febril que me queima desmesuradamente, que me encharca os momentos mortos. Quero dizer-te adeus mas tu olhas-me com essa doçura tão grande, olhas-me sem pressa, como se o meu castigo fosse o teu amor por mim. Quero fixar a placidez com que encostas o teu rosto à almofada e a forma como encaixamos durante o sono, tu tranquila, eu consumido pela imagem dela. Quero que sejas o meu amor, quero ouvir-te dizê-lo e prometer que estarei para sempre junto de ti mas as palavras há muito que me deixaram e só sobrou o nome dela em delírio. Quero deitar-me devagar, a rua em alvoroço lá fora e a tua luminosidade como um foco de paz dentro do quarto. Mas quando fecho os olhos, tudo o que vejo são os cabelos louros dela e tudo o que sinto é a vertigem da saudade. Salva-me, se podes. Não podes.

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