janeiro 23, 2014

Madrid, Janeiro 2014

Todos os taxis que apanho ouvem música espanhola. Sempre gozei com esta mania que os Espanhóis têm de valorizar aquilo que é seu mas agora se calhar penso que esta espécie de proteccionismo pode ser importante para a preservação da cultura. Uma das músicas tem um refrão que termina literalmente con "El Corte Inglés" e bem, se isto não é o que chamamos normalmente de product placement, então não sei o que é. Um dos taxistas pede-me para usar o meu telefone para lhe explicar onde fica o meu destino, todos me perguntam por onde quero ir. Ia jurar que este tipo de coisas deviam ser eles a decidir e não eu, uma miúda que ainda mal conhece a cidade.

Fazia Sol quando acordei esta amanhã. Fazia Sol mas Madrid tinha-me reservado aquele frio cortante de quem está muito longe do mar e isso fez-me sentir mais perto de casa. Mesmo ontem, quando aterrava, olhava para o que eu esperava que fosse Oeste e pensava a minha casa fica só a quatrocentos quilómetros daqui. Não sei porque raio isso me traz mais conforto mas a verdade é que traz. Não importava que olhasse para Madrid lá do alto e não soubesse distinguir nenhuma avenida nem nenhum bairro nem nenhum edifício - há uma auto-estrada que parte daqui para a fronteira portuguesa e isso fez-me sentir protegida. No ar chovia a potes mas quando aterrámos não caía uma gota de água deste céu escuro e eu agradeci porque acho que não podemos transportar guarda-chuvas na bagagem de mão.

Os Sul-americanos aqui estão para a cidade como os Portugueses estão para o Luxemburgo, por exemplo - as empregadas de quarto e os empregados de café têm quase todos aqueles traços distintivos dessas terras longínquas. Fala-se muito e muito alto mas coño, é difícil bater esta simpatia e esta maneira de estar que parece dizer o dia pode estar a correr-me mal mas o caminho é para a frente. No restaurante onde almocei, a empregada dirige-se a duas septuagenárias - hola, guapas! - que lhe respondem na mesma moeda - buenas tardes, bonita. Preciso de sorrir com estas coisas, não é opcional.

Caminhei seis quilómetros pelo centro da cidade, fui ao Thyssen-Bornemisza, desesperei para encontrar um supermercado (que é a mesma coisa que dizer El Corte Inglés). Namorei presunto e queijos manchegos, estive mesmo quase a enfeirar uns abanicos do mais delicado que já vi mas depois pensei que hei-de voltar muitas vezes e não vale a pena gastar já esses cartuchos. Fui ao Jardim Botânico, apanhei um bocado de Sol e, claro, trabalhei. Estas caminhadas, este ar fresco, os cafés que me oferecem enquanto espero, as palavras disponibilidad e desarrollo repetidas até ao limite do aceitável, estas ruas cheias de gente - os homens tão classicamente bem vestidos, as mulheres tão exageradamente bonitas, os turistas que se misturam com os pensionistas e com a gente que pede e as dezenas que entregam panfletos - aqui não me custa lembrar porque foi uma boa ideia, naquele dia de Julho, pensar em mudar de vida.

1 comentário:

Helena Barreta disse...

Se há coisa que aprecio nos espanhóis é a forma de estar na vida com alegria e a boa onda.