dezembro 01, 2015

Dois dias (parte III) *

Sou teimosa e resolvo apanhar outra vez o eléctrico. Foi a custo porque não me apetecia sair do sofá e a ideia destes dias era exactamente fazer o que me apetecesse. Mas como é que se pode ir à janela, olhar para este céu azul e ficar em casa? Pois, não se pode. Desta vez, o eléctrico não demorou tanto e vinha menos cheio. Consegui um lugar e fui tranquilamente a olhar pela janela até à Graça.

Não sei quantas vezes subi até à Senhora do Monte mas tenho a certeza de que subirei muitas mais. Corre um vento frio, aperto o casaco o mais que posso e sento-me num dos bancos livres. Miúdas a beberem cerveja ao Sol, turistas franceses e irlandeses, guias que debitam guiões sobre o rio e o convento do Carmo sem paixão nem entusiasmo, cadeados do amor nas grades, as cores incríveis do casario de Lisboa. É Outono mas podia certamente ser um dia de Primavera.

Começo a descer pela Graça, onde páro mais uns minutos. Ao meu lado, um casal americano com dois filhos pequenos a discutir no tom mais diplomata possível sobre o que fazer a seguir. Como eu, descem em direcção ao miradouro de Santa Luzia mas separamo-nos antes da subida para o castelo. Deste lado, o Tejo imenso e a aparente acalmia da margem de lá. Vendedores ambulantes por todo o lado, pintores de aguarelas, azulejos e roupa estendida ao Sol. Quando ouço o ronco do eléctrico nos carris, corro para o outro lado da rua e consigo um lugar com a janela aberta. Entro em pânico quando penso que perdi o telefone na paragem: reviro a mochila e os bolsos do casaco e preparo-me para sair na próxima paragem e voltar para trás quando, plim!, o encontro numa bolsa escondida. Alívio alívio alívio!

Vou directa à Estrela, onde me sento com os restos do jantar de ontem. Ali ao lado, em pleno jardim, a creche onde o Vicente ainda andou deixa-me de lagriminha ao canto do olho. Os bancos dividem-se entre os reformados que passam o tempo, turistas que recuperam o fôlego, miúdos das escolas em redor. Leio durante uns quarenta minutos antes de me pôr a caminho: casa não é casa sem um café na Tentadora!

(* uma série de posts em diferido, para não atrapalhar o curso da história)

1 comentário:

Dalma disse...

Não tenho dúvidas M. és irremediavelmente apaixonada por Lisboa!